quinta-feira, 10 de julho de 2014

Aposta na Formação (I) - Investimento internacional é uma boa solução?




Formação de jogadores. A que se propõe?

Por norma, descreve-se o papel da formação de um clube  como a capacidade de potenciar jovens atletas, que permitam futuramente a sua integração no panorama da alta competição. Talvez uma descrição demasiado leviana para o papel do clube na formação do individuo em todas as suas vertentes: física, psicológica, comportamental, etc. É suposto qualquer departamento de formação apostar em determinados princípios básicos, que elucidem o papel do jogador no fenómeno social que é o futebol e como a carreira do mesmo de ser evoluída até atingir um patamar profissional. 

Não sendo a explicação destes paradigmas o tema fulcral deste artigo, considero necessário levantar o véu sobre o real trabalho que um clube tem pela frente na formação dos atletas. Não sendo excepção, o Sport Lisboa e Benfica tem feito um trabalho bastante bom nos últimos anos. Muito se tem falado em formação, indicando-se o ‘futuro Benfica’ como o ‘antigo Sporting’, como principal referência na base do nosso Produto Nacional. No entanto, a nossa formação funciona de forma bipolar:

·         Lado Bom:
o  Estrutura do Caixa Futebol Campus, onde são acomodados os escalões da formação;
o   Reforço da cultura de vitórias;
o   Maior competitividade nas provas onde os jovens atletas estão envolvidos;

·         Lado Mau:
o   Integração quase inexistente dos jogadores provenientes da formação na equipa Principal;
Venda dos jovens atletas sem critério, desvalorizando o investimento efectuado nos escalões de formação;

Resumindo, existe todo um trabalho feito desde o escalão mais baixo até à equipa B, que vê o retorno futuro esbarrado numa parede... Isto como consequência das politicas seguidas pela Direcção do Sport Lisboa e Benfica. Atentem as palavra de Luís Filipe Vieira, no Relatório & Contas 12/13:

"Uma palavra especial dedicada à nossa formação. Agora, passados quase oito anos desde que foi inaugurado o Caixa Futebol Campus, começamos a ter resultados consistentes dessa aposta. Valores que já não são apenas uma promessa, mas antes uma certeza de futuro. Jogadores que marcam presença sistemática nas nossas selecções jovens e que seguramente serão apostas a médio prazo na nossa equipa profissional. Ter na primeira equipa jovens formados no Seixal é uma aposta estruturante e objectivo desta Administração."

Portanto, uma meia verdade.

Por norma em ano de conquistas, o benfiquismo em nós presente, tem tendência a exacerbar comportamentos demasiado emocionais, transformando o “Bom” em “Excelente”, o “Mediano” em “Bom” e o “Mau” em “Não te preocupes porque fomos campeões”. Felizmente (ou infelizmente) não partilho dessa visão romântica, deixando sempre espaço para discutir todos os temas que ajudem o nosso clube melhorar.

Como tal vamos fazer um exercício sobre a politica de contratações de jovens atletas, procurando perceber as reais razões para os nossos formandos não serem uma aposta concreta. Vamos ter por base:
  • Totalidade de contratações jovens abaixo dos 21 anos;
  • Tempo durante o qual o Caixa Futebol Campus está em funcionamento; 
Nota: O Caixa Futebol Campus foi inaugurado em 2006. Será descontado o primeiro ano, enquanto fase embrionária. A análise seguinte considera as apostas feitas a partir de 2007 para a frente.



(1) Idade do jogador à data da contratação.
(2) À data de 31-07 no ano de chegada ao Benfica, Witsel tinha 22 anos, dai não ser considerado na análise
(3) Jogadores sem valor definido correspondem a chegadas a custo zero ou resultantes de empréstimos.
(4) Reflete o somatório do investimento parcelado que foi feito com Sálvio

De grosso modo, os valores apresentados residem na informação apresentada via comunicação oficial do clube, CMVM, R&C e demais comunicação social. Os valores apresentados dizem respeito ao real valor investido pela Benfica SAD, sem recurso às parcelas existentes em Fundos de Investimento.

Em termos de nacionalidades, temos quinze representações:


Com especial incidência nos mercados Sul-Americanos e Europeus, em detrimento da aposta nacional.  


Resumindo:
Olhando para o investimento em 7 anos, temos uma real amostra do esforço concretizado pela Direcção: 61,5M € por jovens valores, dividido em média, por 9M€/ano. Algo que coloca o Benfica a rivalizar com os grandes clubes europeus, apesar de não ter conquistas regulares a suportar tal empreendimento.

Este excedente nas contratações de jovens valores simboliza um terço (em média) do nº total de novos jogadores a entrar anualmente:


Nota: As entradas de 2014 foram contabilizadas até 07-07-2014


No entanto, muitos benfiquistas poderão argumentar que as vendas de determinadas jóias da coroa serão suficientes para justificar a exorbitância dos valores investidos. A base deste argumento assenta nas vendas de David Luiz, Di Maria, Fábio Coentrão e Rodrigo. Relembro que apenas estão a ser considerados estes atletas, pois estão enquadrados no universo sub-21 que estamos a analisar:


Nota: À data da publicação do artigo, a saída de Markovic ainda não foi oficializada

Se compararmos o investimento anterior nos 38 atletas (61,5M€) com os valores da venda destas jóias (94,8M€), temos um saldo positivo de 33,3M€.  Alguns poderão dizer: “só essas quatro vendas cobrem todo o risco nos restantes investimentos em possíveis jovens prodígios nos últimos 7 anos!” Bem, a resposta é: Sim... e Não. Tal só seria totalmente verdade se:
  • As contratações jovens fossem 100% do investimento total anual em passes de atletas – facto já refutado anteriormente, visto que estas contratações apenas abrangem um terço do total de jogadores contratados. Este facto deixa-nos dois terços de investimento que não tiveram a devida cobertura, nem financeira, nem desportiva (a analisar num artigo futuro);
  • Se o Benfica não tivesse custos significativos em termos de folha salarial, onde os 38 atletas estão incluídos (vide quadro seguinte); 

Aumento regular dos custos com pessoal, desde o ano de 2007:




Mas esta realidade é conhecida pela própria Direcção, quando o R&C 12/13 espelha a seguinte frase:

"A rubrica de gastos com o pessoal atingiu os 50,4 milhões de euros (...) Esta variação é essencialmente explicada pelo aumento verificado na massa salarial do plantel de futebol."

Em sete anos, o custo com pessoal (para o qual a contribuição dos jogadores é decisiva) aumentou aproximadamente 25M €, com um crescimento anual médio de 10%. Serão então os proveitos de 33.3M € na venda de jovens atletas, o suficiente para suportar o constante aumento da massa salarial? Do meu ponto de vista, não.

Conclusão:
Do ponto de vista financeiro, o investimento efectuado é coberto pelo encaixe de jovens de elevado valor (David Luiz, Di Maria, Coentrão, Rodrigo). No entanto, deixa-nos muitas dúvidas ao nível da sustentabilidade futura desta politica, principalmente tendo em conta o aumento da Massa Salarial
Do ponto de vista quantitativo, se considerarmos o período de 7 anos, dos 38 atletas apenas tivemos 4 vendas significativas, deixando a nossa taxa de acerto nos 10% - considerando apenas a perspetiva do retorno financeiro, que a meu ver não pode nem deve ser dissociada do retorno desportivo. Tal comprova-se, pois no mesmo período de tempo, somaram-se apenas três campeonatos nacionais.
O aumento exponencial do investimento na prata da casa dos outros, fecha as portas a todos os futebolistas formados no clube. O Benfica não pode ser apenas uma barriga de aluguer para qualquer sul-americano com aspirações de jogar na Europa; não se pode tornar um mero entreposto de jogadores, onde as constantes entradas e saídas fragilizam a equipa.
A continuar por este caminho, deixaremos de ter um crescimento sustentável e quando estoirar a bolha das parcerias com Fundos & Empresários, veremos o nosso clube a passar por grandes dificuldades. Este facto tem sido atenuado por uma presença regular em competições europeias, servindo de areia para os olhos dos adeptos, que não têm real noção das politicas da Direcção, ou de como o modelo aplicado está totalmente desfasado daquilo que Luís Filipe Vieira afirma.
A maioria dos adeptos afirma que uma aposta integral na formação não trará títulos. Esta afirmação seria de todo correta, se nos últimos 11 anos, tivéssemos conquistado a hegemonia do futebol nacional, traduzida em pelo menos 7 campeonatos. Mas infelizmente não é essa a nossa atual situação... Se ao não dedicar a devida importância à integração dos produtos formados, conseguimos apenas 3 títulos em 11 anos, então como poderemos argumentar que estamos no caminho correto? Não será de todo descabido invocar os exemplos de Barcelona (16 da formação no plantel principal), Ajax (12) Arsenal (10) ou Real Madrid (7).

Como tal, o Benfica deverá fazer uma aposta mais contundente na única alternativa viável: o Produto Nacional.

O próximo artigo centrar-se-á na incapacidade do corpo técnico no aproveitamento desportivo dos atletas formados.


Nota: Após o contributo de vários Benfiquistas, os valores foram revistos neste artigo.



10 comentários :

  1. Tudo o que indicou e verdadeiro.
    Excelente post

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  2. Muito obrigado Unknown. Espero em breve ter disponibilidade para abordar a evolução do activo x passivo nos últimos anos, bem como publicar o 2º artigo relacionado com a formação. Passe por cá mais vezes e esteja à vontade para deixar também o seu contributo!

    Viva o Benfica!

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  3. É verdade, a prata da casa é o futuro. No entanto queria deixar algumas notas.

    1- e possivel ver a tabela completada com os cerca de 40 jovens abaixo dos 21 anos? Os 60milhoes de certeza que chegariam aos 70 ou 80. E já agora e possivel ver a tabela dos 4 jovens vendidos completada? (Pelo menos com os jovens que já sairam o clube) pois nao parece justo comparar compras de cerca de 40 u-21 com apenas 4 vendas.

    2- nao sou do tempo dos gloriosos anos 60 e nao tenho conhecimento da formacao do Benfica naquela altura, mas sao raros os exemplos de miudos provenientes da nossa formacao. Tinhamos uma mina de ouro que era as colonias africanas de onde vieram ze aguas ou eusebio e coluna, mas poucos eram os que faziam formacao no Benfica.

    3- os exemplos como ajax, arsenal etc sao bons, mas o sporting que tem sido a equipa que melhor forma em PT (embora comecem a perder agora hegemonia para o SL Benfica )pouco ou nada ganha e mesmo o Arsenal ja nem me lembro da ult vez que ganharam um campeonato.

    4- o ajax que tem das melhores formacoes contudo tambem e capaz de nao apostar na prata da casa e de vez em quando aposta em jovens como o sulejmani desembolsando nada mais nada menos que 16M !

    Tudo isto para dizer que adoraria ver os nossos jovens a singrarem no nosso plantel A e que gostava de ver menos contratcoes no Glorioso, mas também acho que é preciso um equilíbrio, pois há casos como por exemplo ponta-de-lança que em Portugal nao ha nenhum de jeito. Ate o sporting vai buscar japoneses para essa posicao o porto a colombia e o Benfica ao paraguai. Ha deficiencia numas posicoes e sao precisamente nessas posicoes que deveriamos ir ao mercado. nas outras e deixar apenas evoluir os jovens e dar-lhes oportunidades.


    E PORQUÊ? Porque tens absolutamente razao quando dizes que a massa salarial anda sempre a aumentar, nao diria a um passo galopante, mas e preocupante na medida em que nao e sustentavel a longo prazo. Ou baixamos esse valor ou arranja-se mais receitas e simples, pois temos que apresentar lucros e baixar o passivo.

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  4. Bom Dia Bruno.

    Sob pena de me ter esquecido de algum atleta u-21, estão representados no texto todas as entradas no período de 7 anos, equivalente ao funcionamento do Caixa Futebol Campus. Os 7 anos não foram escolhidos aleatoriamente, nem maquiavelicamente... apenas refletem qual a real politica que a Direção seguiu e que, por norma, se contradiz em declarações publicas.

    Não tenho ilusões num plantel 100% Benfica. Tenho consciência do mercado globalizado em que vivemos e sei que não nos surgirão Di Marias versão portuguesa, todos os anos. No entanto, só peço que de facto se concretize a politica apregoada e não vivamos, tal como os demais políticos deste pais, de afirmações fugazes e efêmeras.

    Nunca referi que no passado fomos um exemplo máximo de aposta na formação... Aliás referi o "novo Benfica" exatamente por isso: assumir gradualmente a posição que o Sporting teve nos últimos anos. Também não tenho noção sob a formação nos anos 60, nem ela se enquadraria nesta análise, pois o que se pretende refletir aqui é o período de tempo em que temos uma estrutura de promoção de jovens Vs as contratações de jovens estrangeiros.

    O Bruno disse uma grande verdade: "o ajax que tem das melhores formações contudo também e capaz de não apostar na prata da casa e DE VEZ EM QUANDO aposta em jovens como o sulejmani ". "De vez em quando": No fundo referiu-me a excepção que comprova a regra. Em relação ao arsenal é de todos nessa lista aquele que mais tempo passou sem ganhar um campeonato. No entanto só pergunto: fazendo um paralelismo com a dimensão do pais, poderemos argumentar que esses clubes apostando mais na formação, têm menos títulos internos do que aqueles que o Benfica conquistou nos últimos, por ex. 10 anos? Com certeza que se fizermos essa analise, o nosso rendimento desportivo deixa muito a desejar...

    Concordo 100% consigo que se suprimam lacunas em determinadas posições, com recurso a mercados estrangeiros. Não poderemos é ter anualmente contentores de jogadores que passarão 2,3 anos emprestados, sem justificarem o investimento ou contribuírem para o sucesso desportivo.

    Para finalizar, muito obrigado pela sua participação Bruno.

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    1. Obrigado pela resposta. Nao posso deixar de concordar consigo em questoes que apresentou.

      Vou começar a seguir este blogue pois gostei da opiniao e da apresentacao de alguns factos interessantes.

      Cumorimentos

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    2. Bruno, conto nos próximos dias fazer um update a este tema, tendo em consideração os factos que levantou. Alguns benfiquista alertaram (e bem) para o facto de ter me esquecido de dois atletas "sonantes" na contabilização. Farei o meu "mea culpa" dentro em breve.

      No entanto, quero só deixar a nota a todos aqueles que leram o artigo, que não existe nenhum comportamento "anti-vieira" vincado nas minhas palavras. Muito pelo contrário: a linha editorial deste blog dará o devido valor ao Presidente em tudo aquilo que ele fez bem, como também apontará o dedo nos momentos maus.

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  5. Bom dia

    O teu estudo parece-me interessante, no entanto apresenta algumas omissões:

    1. Compras....omites duas compras: André Gomes (2012? a custo zero?) e Oblak (2010 por 1.7M€).
    2. Vendas...Kardec (4M€), Melgarejo (4M€) e André Gomes (15M€)...num total de 23M€ de vendas não aparecem referidas...
    3. O valor "um saldo positivo de 33,3M€" que apresentas, além de estar subestimado (deveria ser de pelo menos 33,3M€+23M€), não faz qualquer sentido...
    O saldo deveria ser calculado da seguinte forma:
    Vendas (94.8M€+23M€=117.8M€)+ Valor de mercado dos jogadores que se mantêm no clube (difícil de estimar, mas que não deverá ser muito inferior a 40M€) - Compras (61,5M€+1,7M€) = Saldo de aproximadamente 95M€!!!....
    Com estes números provavelmente as tuas conclusões seriam bastante diferentes...

    Um abraço e saudações benfiquistas

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  6. NeoBenfica parabens pelo artigo. Não conhecia o blog mas vou começar a acompanhar.
    A aposta na formação por parte do Benfica é mais propaganda do que outra coisa. Quem não se lembra do Nelson Oliveira/David Simao/Miguel Rosa ao lado de Lfv como simbolos da aposta na formaçao ? passados 4 anos nada aconteceu. Este ano vamos pelo mesmo caminho, mais um caixote de jogadores vindos do estrangeiro...

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  7. Grande Trabalho NeoBenfica! Penso que este levantamento merecia uma correcção:
    O balanço compra/venda não pode ser feito contabilizando do lado das compras quase todos os jogadores comprados e do lado das vendas só se considerarem 4 e não se contabilizar o valor de atletas que nos representam. Dito de outra maneira, faltam os 5 ME do Melgarejo, os (2,25 + 2) do Kardec (venda + fundo), a venda do Derlis, do Patric, do DD Dinamarquês, etc ... Tudo somado estamos a falar de mais de 10 ME.
    Por outro lado, o Sálvio não vale 15 ME, o Talisca vale ainda o valor de aquisição, etc ...
    Fazendo desta forma as contas, as conclusões poderão ser bem diferentes.

    Abraço benfiquista

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  8. A politica de formação não pode ser olhada sob a optica do deve-haver estritamente do Benfica. Trata-se de actividade de interesse publico desportivo e como tal tambem o Estado (politicas de governo) deveria apoiar financeiramente as infraestruras. No campo de desportivo será o Benfica, como investidor, a tirar os primeiros proveitos no aproveitamento de talentos para a sua equipa principal, mas os outros, (em maioria) irão abastecer outros clubes, ajudando a sustentar a modalidade.

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