segunda-feira, 28 de julho de 2014

Direitos Económicos & Desportivos: Rodrigo Moreno


Uma das grandes vantagens da utilização de Terceiros Titulares de Propriedade (TTP) na aquisição de atletas, prende-se com a garantia de liquidez imediata por parte dos clubes. Tomando como exemplo: num determinado mês, um Clube investe 30M € num jogador, ficando com 100% dos seus direitos económicos e desportivos. Nesse mesmo mês, poderá vender 80% dos direitos económicos a um Fundo, encaixando de imediato 24M €. Desta forma, a rentabilidade económica na transação do atleta não precisa esperar por 2 ou 3 anos de rendimento desportivo e despertar a cobiça de outro clube; fica deste logo assegurada pela aquisição do TTP. Da perspetiva do TTP, compromete-se com um investimento inicial, esperando o lucro duma transferência futura. Quando esta se concretizar, não mais o clube tem um ganho significativo, visto já ter abdicado dos direitos económicos do atleta, cabendo ao fundo a maior fatia.

O fenómeno dos Fundos de Investimento teve origem há alguns anos atrás na América do Sul, sendo famosa a questão das transferências de Javier Mascherano e Carlos Tevez para o Corinthias, na altura detido a 59% pela  Media Sports Investment, de Kia Joorabchian. Recentemente na Europa, Portugal tem surgido como um dos principais impulsionadores na compra/venda de atletas com recurso a TTPs (vide Benfica Stars Fund, Doyen Sports, etc). 

A maioria das transferências que envolva TTPs acaba por gerar alguma controvérsia, pois na maioria das vezes os negócios não são corretamente comunicados nem compreendidos pelos adeptos. Os defensores deste tipo de negócio poderão argumentar que promove a competitividade entre clubes, garantindo a aquisição de atletas de maior qualidade e com risco partilhado. Outros poderão lançar duvidas na idoneidade do processo, onde uma entidade avança com um investimento especulativo sobre um atleta, transformando-o numa mera mercadoria que pode ser transacionada. Para além disto, impulsiona a perspetiva corporativista do futebol, algo que a FIFA e UEFA tentam combater em nome do fair-play financeiro.

Tendo em conta esta nova realidade no futebol mundial, hoje é apresentada uma clara distinção entre os Direitos Económicos e os Direitos Desportivos:

O Direito Desportivo representa o direito do clube sobre um atleta, definido por altura da ratificação do contrato que une o Atleta (Empregado) ao Clube (Empregador). Sobre este direito poderão assentar diversas obrigatoriedades, como é o caso da representatividade: o clube pode deter 100% dos direitos desportivos do atleta ou ceder parte dos mesmos na realização de um empréstimo a outro clube. 

O Direito Económico traduz-se no valor de mercado do atleta. A aquisição destes direitos ocorre aquando da negociação do passe do atleta, determinando o valor indemnizatório (valor da transferência) que um clube deve ressarcir outro, em caso de incumprimento do contrato estabelecido com o atleta.

É possível vender a totalidade dos direitos económicos e ainda manter os direitos desportivos. No entanto, um TTP não poderá ter os direitos desportivos de um jogador, visto não possuir a caracterização legal de um Clube.

Tendo por base esta introdução aos direitos económicos e desportivos, vamos fazer uma análise da situação de Rodrigo:

08-2012:
"O futebolista do Sport Lisboa e Benfica Rodrigo prolongou o vínculo com o Clube por mais quatro épocas desportivas, ou seja, até Junho de 2019." - Comunicado 

[NB]: Segundo comunicado oficial, os direitos desportivos de Rodrigo estarão válidos até Junho 2019.

01-2014:
"A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, em cumprimento do disposto no artigo 248º do Código dos Valores Mobiliários, informa que chegou a acordo com a sociedade Meriton Capital Limited para a alienação de 100% dos direitos económicos dos atletas Rodrigo Moreno Machado (...) pelos montantes de € 30.000.000 (trinta milhões de euros)  (...)" - Conselho Administração Benfica SAD

[NB]: Indicação de venda de 100% dos direitos económicos por 30M €. Fica implicita a totalidade dos direitos desportivos ficarem associados ao Benfica, de acordo com contrato em vigor.

01-2014:
"No último dia do mês de Janeiro, mediante o prévio acordo dos detentores de 24% (...) dos direitos económicos dos atletas Rodrigo (...), a Benfica SAD alienou à Meriton Capital Limited, pelos montantes de 30 (...) milhões de euros, (...). Desta forma, as parcelas atribuíveis à Benfica SAD, representando 76% (...) dos direitos económicos do atleta Rodrigo (...), ascenderam a 22,8 (...) milhões de euros (...)." - Relatório Intercalar 3º Trimestre 2013/2014

[NB]: Após clarificação, conclui-se que a parcela da venda é de 22,8M €, visto que a Benfica SAD  tinha apenas 76% dos direitos económicos de Rodrigo.


07-2014:
"O avançado hispano-brasileiro Rodrigo, (...)  também chegou, esta quinta-feira, ao Seixal, onde o Benfica está a iniciar a nova época." - ABola

[NB]: Com os direitos desportivos em vigor, Rodrigo apresenta-se no clube para uma nova época.

07-2014:
"Valência anuncia contratação de Rodrigo ao Benfica por empréstimo.
(...) O Benfica mantinha os direitos desportivos porque os económicos tinham sido vendidos ao fundo de Peter Lim, que negoceia a compra do clube espanhol. O empréstimo é apenas uma burocracia para o futebolista possa incorporar de imediato os trabalhos da equipa de Nuno Espírito Santo." - MaisFutebol

Conclusão:

A cedência de direitos económicos não traduz uma obrigatoriedade na cedência dos desportivos, no mesmo período.

Desta forma, o Benfica obteve uma liquidez imediata em Janeiro, via parte económica, mas manteve o atleta nos seus quadros, via parte desportiva. No entanto,  a Meriton Capital Limited (MCL) teria todo o interesse no curto prazo  em colocar o atleta num clube onde pudesse promover o investimento efectuado. Visto o homem por detrás da MCL (Peter Lim) ser o mesmo que pretende adquirir o Valência, este tornou-se o destino mais que provável.

Visto a parte desportiva ainda pertencer ao Benfica, tornou-se natural a apresentação de Rodrigo aos trabalhos na pré-época. Até indicação em contrário, Rodrigo é funcionário do clube e como tal, sujeita-se a convocatórias & inscrições como os demais atletas. Poderemos também extrapolar que desde o término da época até ao passado dia 23-07 - quando foi oficializado o empréstimo ao Valência - o Benfica também suportou por inteiro a remuneração do atleta, o que faz sentido.

No meio disto tudo, falta-nos olhar um pouco para a situação de Peter Lim e MCL. Um negócio que há poucos meses estava praticamente fechado, tem sofrido vários revezes com a situação da reestruturação da divida do Valência. Estes constantes recuos têm limitado o investimento & decisões de Peter Lim naquilo que será o plantel da época 2014/2015. Contrariamente a André Gomes, Rodrigo apresenta outro conjunto de credenciais, não podendo ver limitada a sua colocação no Valência como a única hipótese. Lim esperará sempre um desfecho positivo, mas um empréstimo há-de ser sempre uma solução mais segura, caso não consiga comprar o Valência e tenha necessidade de re-alocar facilmente Rodrigo a outro clube. Não nego que o empréstimo possa servir para resolver burocracia, mas também dá mais flexibilidade para mover o jogador.

Sendo a solução de empréstimo ou venda a titulo definitivo, Rodrigo nunca passaria pela rota da Luz este ano. Um Fundo quer valorizar um atleta e tem noção de que aquilo que o Benfica tem para oferecer atingiu o seu máximo. Exigem-se campeonatos mais exigentes, com maiores fontes de receita e consequentemente, uma margem lucrativa maior quando chegar a altura do Fundo alienar o seu passe.



2 comentários :

  1. Bastante esclarecedor. Parabéns pelo bom trabalho

    Cumps

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  2. Obrigado Bruno. É um tema que tem causado alguma discórdia entre os adeptos, pois consideram que foi "uma negociata do Vieira" mal explicada... Este tipo de negócios será cada vez mais usual, visto ser a única maneira dos nossos clubes conseguirem atletas de kilate elevado.

    Cumps.

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